Created
September 8, 2013 01:06
-
-
Save klzns/6481004 to your computer and use it in GitHub Desktop.
Trecho do livro O Apanhador no Campo de Centeio
This file contains hidden or bidirectional Unicode text that may be interpreted or compiled differently than what appears below. To review, open the file in an editor that reveals hidden Unicode characters.
Learn more about bidirectional Unicode characters
O táxi que tomei era velho pra chuchu e cheirava como se alguém tivesse acabado de vomitar ali mesmo. Sempre que tomo um táxi de madrugada, tem que estar fedendo a vômito. E o pior é que a rua estava um bocado silenciosa e deserta, embora fosse uma noite de sábado. Não se via quase ninguém. Aqui e ali tinha um homem e uma mulher atravessando a rua, abraçados pela cintura e tudo, ou um grupo de imbecis com as namoradas, todos rindo como umas hienas de qualquer coisa que, aposto, não tinha a menor graça. Nova York é terrível quando alguém ri de noite na rua; pode-se ouvir a gargalhada a quilômetros de distância. É o tipo do troço que faz a gente se sentir só e deprimido. Continuava com vontade de ir para casa e fazer um pouco de hora com a Phoebe. Mas afinal, depois de algum tempo no táxi, eu e o chofer começamos a conversar. O nome dele era Horwitz. Era um sujeito muito mais simpático do que o outro motorista com quem eu tinha andado antes. Seja como for, pensei que ele talvez soubesse alguma coisa sobre os patos. | |
- Êi, Horwitz. Você conhece aquele laguinho no Central Park? Aquele lá pro lado sul? | |
- Conheço o quê? | |
- O laguinho. Aquele lago pequeno que tem lá. Sabe qual é, onde ficam os patos... | |
- Sei, mas quê que tem? | |
- Bom, sabe aqueles patos que ficam nadando nele? Na primavera e tudo? Será que por acaso você sabe pra onde eles vão no inverno? | |
- Pra onde vai quem? | |
- Os patos. Será que você sabe, por um acaso? Será que alguém vai lá num caminhão ou sei lá o quê, e leva eles embora, ou será que eles voam sozinhos, pro sul ou coisa que o valha? | |
O tal do Horwitz virou para trás e me olhou. Era um sujeito do tipo impaciente pra burro. Mas não era má pessoa. | |
- Como é que vou saber? Como é que vou saber um negócio idiota desses, pomba? | |
- Tá bem, não precisa se aborrecer - falei. Ele ficou danado com aquilo, sei lá por quê. | |
- Quem é que está aborrecido? Ninguém tá aborrecido. | |
Se era para o sujeito ficar assim todo chateado, preferi suspender a conversa. Mas ele mesmo puxou assunto outra vez. Virou-se de novo para trás e disse: | |
- Os peixes não vão pra lugar nenhum. Ficam lá mesmo onde estão, os peixes. Na droga do lago mesmo. | |
- Com os peixes é diferente. Aí são outros quinhentos. Tou falando dos patos. | |
- O quê que é diferente com eles? Não vejo nada de diferente - ele respondeu. Tudo que ele falava parecia que estava aporrinhado com alguma coisa. E continuou: - É muito pior pros peixes, no inverno e tudo, do que pros patos, não vê logo? Usa a cabeça, pôxa! | |
Fiquei calado mais ou menos um minuto. Aí falei: | |
- Tá bem. Então, o que é que os peixes fazem quando o laguinho vira um bloco de gelo e tem uma porção de gente patinando nele e tudo? | |
O Horwitz se virou para trás de novo. | |
- O quê que os peixes fazem? - gritou para mim. - Pomba, ficam ali mesmo onde estão, ora essa! | |
- Mas eles não podem simplesmente ignorar o gelo. Não podem só fazer de conta que não tem gelo. | |
- Mas quem é que ignora o gelo? Ninguém tá ignorando nada! | |
O sujeito estava tão excitado e tudo que pensei que ele ia se arrebentar em cima dum poste ou coisa parecida. | |
- Vivem ali mesmo, dentro da porcaria do gelo. Já são feitos assim mesmo, por natureza. Ficam congelados o inverno todo na mesma posição. | |
- É? Então quê que eles comem, hem? Quer dizer, se ficam congelados, durinhos, então não podem nadar e procurar comida nem nada. | |
- O corpo deles, pomba... Quê que há contigo? O corpo deles retira a nutrição e tudo da droga das algas e da merda toda que tem no gelo. Eles ficam com os poros abertos o tempo todo. São assim mesmo por natureza. Tá entendendo agora? - ele falou, e virou outra vez no banco para me olhar. | |
- Tá bom - respondi. Deixei o assunto morrer. Estava com medo que ele arrebentasse a droga do táxi. Além disso, era um cara tão estourado que não dava prazer nenhum conversar com ele. | |
- Você se incomoda de dar uma paradinha e tomar um trago comigo em algum lugar? - perguntei. | |
Mas não me respondeu. Acho que ainda estava pensando. De qualquer maneira, perguntei de novo. Era um sujeito um bocado simpático. Muito divertido e tudo. | |
- Não tenho tempo pra andar bebendo, ô meu. E, afinal, qual é a tua idade, hem? Por que é que você já não está dormindo a esta hora? | |
- Não estou cansado. | |
Quando desci na frente do Ernie's e paguei a corrida, o tal Horwitz puxou o assunto do peixe outra vez. O troço não saía mesmo da cabeça do homenzinho. | |
- Escuta. Se você fosse um peixe, a Natureza ia tomar conta de você, não ia? É ou não é? Ou você acha que tudo quanto é peixe morre quando chega o inverno, hem? | |
- Não, mas... | |
- É claro que não, pomba - ele falou, e arrancou com o carro como se fosse o diabo fugindo da cruz. Era um dos sujeitos mais invocados que eu encontrei até hoje na minha vida. Tudo que a gente dizia deixava ele furioso. |
Sign up for free
to join this conversation on GitHub.
Already have an account?
Sign in to comment